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sábado, 13 de setembro de 2008

Valores de Herói (Parte 10)

Capítulo 8 - Perguntas e Respostas

O clima de descontração e alegria que dominava a viagem da Empreitada do Trovão acabou. Alguém sabia de sua missão, e era contrário a ela. Pior, esse alguém não era monstro, era tão humano quanto a maioria do grupo, e prontamente apoiava o que poderia ser mais uma vez o fim da civilização como era conhecida.

Davam graças aos deuses por Urig ter conseguido manter o líder vivo, pois poderiam interrogá-lo e descobrir quem era seu mentor, mas ao mesmo tempo tinham medo das possíveis respostas. Estavam a apenas um dia de viagem de Turin, e resolveram acampar mais cedo para que suas perguntas enfim fossem respondidas.

- Pode começar a falar senhor emboscador. - disse Thogar - Tem muito o que nos responder, como por exemplo porque estavam nos seguindo.

- Fomos pagos para isso. Não somos nem ao menos bandidos experientes. Meus companheiros e eu somos apenas agricultores, por favor, não me matem! - disse o homem, com um sotaque que Will logo reconheceu.

- Agricultores?? E por que a emboscada? De onde tirou essa varinha mágica e as armas? Está mentindo para nós! - disse Thogar, subindo o tom de voz de maneira a se tornar mais ameaçador do que seu diminuto tamanho permitia.

- Sim, é verdade! Somos agricultores desempregados! Viemos todos de Olaftown! O sr. Huntington nos enviou atrás de Will Nimblung como forma de se vingar de seu pai! Parece que a família Nimblung está muito próspera, e o sr. Huntington nunca gostou muito do sr. Nimblung! É apenas uma vingança! - dizia o homem chorando como criança.

- E as armas? De onde tiraram essas armas e essa varinha mágica?! - gritava mais Thogar.

- Chega Thogar, deixe que eu converse com o homem. - disse Will, intervindo.

- Logo reconheci seu sotaque. Você é de Olaftown mesmo. Nos momentos de nervosismo é onde o sotaque mais se destaca, e não pude deixar de percebê-lo. Me conte mais sobre o que aconteceu em Olaftown desde a minha partida. - nesse momento Will percebeu que já estava há quase um mês fora de casa, e ao pronunciar o nome da vila, sentiu um vazio no peito.

O homem falou durante horas. Ao que parece, todo o progresso que Will nunca havia visto na cidade, chegou em questão de dias. Seu pai, arando a terra para a nova plantação, descobriu um veio de ouro. Manteve a descoberta em segredo, mas não se conteve e logo estava comprando presentes para a família, dando à esposa os presentes e o conforto que nunca pôde.

Logo a cobiça dos vizinhos aumentou, pois a família Nimblung sempre fora humilde, e estava se tornando uma das mais ricas. O sr. Huntington, mais rico agricultor da região, e rival do sr. Nimblung, não querendo cometer um crime descaradamente dentro da cidade, pois sabia que seria o principal suspeito, resolveu acabar com a vida do sr. Nimblung de outra forma: matando seu filho. Fácil e não teria suspeitas sobre si, pois todos sabiam que Will havia partido em viagem.

Entretanto, as notícias não chegaram em Olaftown de maneira completa, e o sr. Huntington não sabia que os Sete Relâmpagos estariam em viagem com Will. Sem saber disso, achou que apenas 12 agricultores desempregados dos arredores de Olaftown seriam suficientes para acabar com ele.

- Se o que diz é verdade meu caro, está perdoado, e livre. Mas antes, apenas me explique, para satisfazer meu amigo anão, de onde veio essa varinha, e mais ainda, o porque de seus sorrisos ao nos ameaçar. - disse Urig.

- A varinha era de um tio esquisito do sr. Huntington, parece que o homem era mago, e não foi bem aceito pela família quando estava doente e precisou de abrigo. O sr. Huntington cuidou dele apenas para poder se apossar dos parcos pertences do homem. E meus risos foram de nervoso. Quando vi contra quem iria lutar, minha vontade era sair correndo, mas tinha uma missão, e caso retorne ao sr. Huntington sem uma prova de que a cumpri, nunca mais verei minha família. O sr. Huntington jurou matar a todos caso eu não voltasse com uma prova de sua morte Will. Entre isso e a minha morte, prefiro a morte, por isso atacamos. - disse o homem, chorando.

- Tome. Pegue esse gorro. Minha mãe o costurou pra mim há alguns anos, e todos em Olaftown me reconheciam quando estava frio. Mostre-o ao sr. Huntington e reveja sua família. Depois, diga a meus pais que quer o seu perdão, e que antes de morrer eu disse a meus pais que os amava muito. Eles irão sofrer, mas tenho certeza que irei revê-los um dia, e sua felicidade então será a maior de todas. - disse Will, de maneira séria.

- Muito obrigado senhor Will, por sua misericórdia. Muito obrigado mesmo. - disse o homem, correndo com o gorro de Will nas mãos.

- Foi muito nobre de sua parte Will. Estou orgulhoso de você. - disse Thogar.

- Obrigado Thogar, mas se não se incomoda, gostaria de ficar sozinho em minha barraca agora. Essas notícias sobre Olaftown me deixam pensativo. Já tive pesadelos sobre o destino da cidade com a minha saída, e achei que era muita pretensão minha achar que a vila mudaria apenas por eu ter saído de lá. E agora vejo que não estava tão errado. Meu pai já não trabalhava no arado há algum tempo, esse serviço era meu, e nunca havia encontrado esse veio de ouro. Talvez a minha saída seja uma benção para os que estavam próximos de mim. - disse Will, com a voz carregada.

- Não diga isso Will. Nada sabemos sobre o destino ou a sorte. Tudo pertence aos deuses. Principalmente aos deuses do lar. Venere seus ancestrais e eles lhe darão tudo o que precisar. Seu pai deve ser um homem muito respeitador dos costumes antigos. - disse Urig.

- Sim Urig, é um homem à moda antiga, como se costuma dizer. Agora, com sua licença, irei para minha barraca. - disse Will, encerrando o assunto enquanto tentava ocultar uma lágrima que rolava em seu rosto.

Os companheiros de viagem ficaram se entreolhando, pensando na dura situação do menino caipira que agora se tornava um guerreiro.

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No dia seguinte levantaram acampamento rapidamente, queriam chegar à Turin antes do pôr-do-sol. Logo se lançaram na estrada, apertando o passo dos cavalos. Todos estavam sérios, os acontecimentos dos últimos dois dias deixaram todos apreensivos quanto a Will.

Quando pararam para almoçar, Cecil e Urig começaram a discutir sobre a viagem de Turin até Selyn, que seria feita sem cavalos para não chamar atenção dos bárbaros. Logo todos estavam envolvidos na discussão, menos Will, que se levantou e foi observar um bambuzal próximo.

- Existem animais que se alimentam de bambu, você sabia? - disse Dibrille, assustando Will com seu caminhar silencioso.

- Não, não sabia. Pra mim o bambu servia apenas para fazer jangadas e varas de pesca. Aliás, há muito tempo não pesco, sinto falta disso. Da briga com o peixe, dos momentos de silêncio aguardando a puxada...

- Pelo que você fala, a vida em Olaftown era muito boa. - diz Dibrille, com um sorriso carinhoso.

- Sim, e era. Mas alguma coisa dentro de mim dizia que eu precisava sair e conhecer o mundo. Quando estava quase criando raízes naquela terra, eis que surgem Chris e Sir Richard. E agora, que tenho minha chance de viajar pelo mundo, me pego pensando em voltar, em ajudar meus pais.

- Saber como estão seus pais e ver Olaftown mais uma vez ajudaria a tirar esse sentimento de você por mais algum tempo, para que possa nos ser mais útil na viagem?

- Está me chamando de inútil Dibrille?! Sei que não sou a pessoa mais talentosa daqui, mas acho que estou longe de ser um peso para o grupo! - responde Will indignado.

- Hahahaha! Sua revolta me diverte. É lógico que não quis chamá-lo de inútil. E sim, você é uma das pessoas mais talentosas do grupo, mas não consegue se concentrar e direcionar seus dons. E o motivo é que seu corpo está conosco, mas sua cabeça está longe daqui. Nem gostaria de ver o resultado do combate caso nossos inimigos não fossem meros camponeses e sua ajuda fosse necessária.

- Tudo bem, está certa. Mas de que maneira poderia vê-los?! Estamos há quilômetros de distância de Olaftown! - diz Will com a voz emocionada.

- Calma, sem choro. Acho que já derramou lágrimas de saudade suficientes em sua barraca.

- Você me viu chorando? - diz Will, envergonhado e levemente ruborizado.

- Eu o ouvi, e não deve se envergonhar disso. Também sinto falta de casa, e meu lar se encontra ainda mais distante. E a maneira que encontrei de suprir isso é a magia. Invoque os deuses domésticos. Peça a seus antepassados que lhe mostrem  como está sua família.

- Fácil para uma maga dizer isso. Eu mal estou aprendendo a empunhar uma espada e você me fala em magia e deuses. - diz Will, irritado.

- Penates Lares Specularum! - diz Dibrille, virando os olhos e derramando o conteúdo de seu cantil no gramado. A água brilha por um instante e mostra imagens de Grenoble. A cidade oculta dos elfos se mostra para Will por breves momentos, em imagens fracas.

- Vê? São meus irmãos e primos. E a capital do Reino de Grenoble. Meus parabéns Will, é um dos poucos humanos vivos que já a viu. - diz Dibrille, sorrindo.

- Como fez isso?! Me ensine! - diz Will, extasiado.

- É simples. Você precisa apenas pronunciar as palavras da tradição, invocando os deuses domésticos para que mostrem o seu lar através de um local adequado. O ideal é que seja um espelho, mas como viu, pode ser um espelho d'água. É um truque simples de magia, se treinar todas as noites durante alguns minutos, creio que em dois ou três dias poderá ter imagens como as que eu gerei. E como viu, não são boas imagens, são apenas lampejos.

Nesse instante, Will abre seu cantil apressado, vira o conteúdo no mesmo local que Dibrille e pronuncia: Penates Lares Specularum!

Para a surpresa de Dibrille, a água brilha e as imagens que se formam mostram a casa de Will como se os dois estivessem dentro da mesma. A visão dos pais de Will é quase a mesma que se tem pessoalmente. Tanto o pai quanto a mãe de Will estavam bem, a casa havia mudado um pouco, melhorado em termos de qualidade e quantidade de móveis. Ao que parece, a história do veio de ouro é verdadeira, e Will ficou aliviado por ter libertado o homem que havia sido enviado para lhe matar.

- Acho que descobrimos mais um de seus dons Will. Estou feliz em estar nessa viagem contigo. - diz Dibrille, sorrindo admirada, pois sabia que estava diante de um verdadeiro herói.

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